Só estamos disputando Deus?
Artigo de opinião de Alessandra Nilo, coordenadora geral da Gestos, publicado pelo Congresso em Foco, em 8 de outubro de 2022.
E, pelas deusas, em que loucura nos metemos? Gente demais no Brasil a defender ignorâncias, a vomitar desprezo pelo Estado de Direito. A Presidência da República está comprometida há muito tempo e se mantém apenas porque a maioria do Congresso Nacional foi comprada e passou recibo, via o orçamento secreto de conhecimento público. A mídia dá espaço às barbaridades, alimentando e dando voz (e fama) a seres obtusos que, quanto mais ganham visibilidade, mais atacam a ciência e nossa inteligência. Enquanto isso, o presidente e seus aliados esvaziaram orçamentos e sistemas de monitoramento, desestabilizando políticas públicas já estruturadas.
Parasitas e destruidores, seguem comprando a alma das pessoas, se aproveitando de seres humanos desesperados, iludidos por afagos de neopentecostais sem escrúpulos ou por ideias de um poder que jamais alcançarão. Nada tementes, crentes só no quinhão que extraem, certas Igrejas viraram o melhor modelo de negócios para lavar dinheiro e o cérebro de quem, cegamente, crê em um Jesus Cristo totalmente diferente daquele que andou por estas terras. Terra que, por sinal, os alucinados juram que é plana, enquanto eu, plena de angústias, me dilacero ao ver a classe mé(r)dia repetir que milionários não podem pagar mais impostos; ao ver subalternos e submissos defendendo o privilégio justamente de quem os explora; ao ver gente mentirosa o suficiente para negar a corrupção que sequestrou o Planalto Central e a fome que assola 33 milhões de brasileiras e brasileiros.
No meio deste caos, as luzes se apagam, enquanto o governo federal retém o dinheiro da educação e faz cortes nos orçamentos das políticas de gênero e da saúde pública, a fim de poder continuar seus esquemas de corrupção. Votos sendo comprados a rodo e empregadores ameaçando empregados; mas nada é tão importante quanto as mamadeiras de pirocas e a lista VIP de visitantes da maçonaria. Um povo desorientado pisoteia tudo, até mesmo a si próprio, estamos no centro de um grande estouro de boiadas. Desorientado ou também crápula? Vítima ou apenas uma pessoa ruim? Quem vota no atual presidente, age por má-fé, ou por interesse? É vítima, algoz ou um pouco dos dois? Ainda não sei o que responder, mas sei que este é um voto imperdoável.
Enquanto escrevo, Bolsonaro e seus asseclas rapinam e raspam todo o tacho antes de largar o osso, sem nem se dar ao trabalho de posar de bons moços para gringos verem. Fariseus farsantes (vale aqui a redundância). Nada adianta perguntar o porquê de tanta insanidade: o golpe fatal vem em forma de resposta curta e grossa, dita aos berros ou em ira, um brado retumbante de “PT, jamais” e “Deus acima de tudo”. Boa parte do nosso povo, 51 milhões de pessoas, em pleno século 21, se desnudam, retiram as máscaras: hipócritas, sobretudo hipócritas, lambem as botas de quem faz o lado mais podre deste país, que vamos combinar, nunca foi alegre.
De novo, disputamos qual o melhor Deus, numa guerra velha, que de santa não tem nada. Fé cega, faca amolada. Os juízes não nos protegem e os pastores agora caminham com lobos, armas em punho. Não há chamado à razão que funcione, a luta irracional segue e seguirá assim por muito tempo. Derrotar essa escória é hoje o único caminho possível para estancar um pouco da sangria.
Contagem regressiva para o segundo turno, as horas voam, muita gente atordoada com o resultado do primeiro, mas agora já sabendo o que esperar – e que não dá pra esperar. O orçamento secreto que foi parar nas urnas está sendo turbinado, vai chegar com mais força para lubrificar a engrenagem estatal de moer direitos, gerar desinformação e ódios. Não há balas de prata, sabemos (e em tese somos pacifistas) mas para evitar uma tragédia maior, além de disputar Deus, por favor, follow the money.