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ARTIGO: 30 anos de muitos Gestos

ARTIGO: 30 anos de muitos Gestos

Artigo de Alessandra Nilo publicado pelo Diario de Pernambuco, 9 de outubro. 

 

Aos 22 anos me vi triste e desesperada depois de perder um grande amigo para uma tal Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. A pandemia de AIDS eclodiu em 1981. Naquela época, o Brasil e o mundo enfrentavam uma crise de saúde profunda, disseminando o medo e reafirmando preconceitos. Não havia tratamento e quase nada se sabia sobre o vírus.

O meu amigo foi isolado dos amigos, enviado para fora do Brasil e nunca mais voltou. Minha última memória é da sua mãe batendo o telefone “na minha cara”, depois de dezenas de tentativas para visitá-lo. Tudo o que eu pensava era na solidão que o envolvia, no massacre emocional de ter que viver o resto dos seus dias longe de quem o amava, encarcerado por uma família que não o amava, não o acolhia e só o julgava.

Eu não sabia nada sobre aquela tal de “peste gay”, mas odiei cada palavra que a expressão resumia. Com o tempo, percebi que não era a única a me sentir assim e passei a me reunir no Fórum AIDS Pernambuco, no sindicato dos jornalistas. Ali reencontrei o sociólogo Acioli Neto que, depois me apresentou à assistente social Silvia Dantas, e à socióloga Márcia Andrade, nos convidando a co-fundar a Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, em 1993. E é na Gestos que escrevo esse artigo, trinta anos depois.

Criamos uma ONG que usava a comunicação como estratégia e que já nasceu entendendo que as relações de gênero desiguais, o preconceito e a discrimação eram os combustíveis desta pandemia. Quem olha hoje para o belíssimo casarão de número 68 da Rua dos Médicis, no bairro da Boa Vista, talvez não imagine que em nossos primeiros anos funcionamos numa sala emprestada da casa de Márcia Andrade, nas Graças.

No nosso primeiro ano, com o apoio da MISEREOR, começamos a oferecer atendimento psicológico gratuito para pessoas vivendo com HIV/AIDS e a formar multiplicadores/as de informação nas comunidades – programas institucionais que continuam sendo parte vital do nosso trabalho até hoje. Buscamos novas parcerias e investimentos para realizar mais projetos, campanhas e abordagens cada vez mais ousadas.

Foi só com a chegada do tratamento universal pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que as coisas começaram a mudar. E me orgulha o papel que tivemos (e ainda temos) para construir e monitorar uma resposta efetiva em todos os níveis, garantir direitos às pessoas vivendo com HIV/Aids e fomentar sua organização política e participação social. Ajudamos o Brasil a ser reconhecido como o país que ofereceu a melhor resposta ao HIV.

Todo esse trabalho nos fez falar para o mundo e incidir junto a organismos multilaterais, dialogando com governos e organizações da sociedade internacionais. Nesses 30 anos, entendemos que AIDS e saúde são temas estruturantes para o desenvolvimento sustentável, abraçamos causas que vão além de garantir acesso a métodos de prevenção e tratamentos. Hoje nos esforçamos para reconstruir tudo aquilo que foi desfeito nos últimos anos.

Vi a saudade pelo meu amigo ir se ressignificando em um amor pela Gestos que só cresce. Por isso, tanto tempo depois, é com alegria que celebraremos a história da Gestos, uma ONG Pernambucana que faz a diferença na vida de pessoas em todo o mundo. Na última sexta-feira (6), comemoramos essa história no Casbah, ao som de Geraldo Maia, Isaar, Mônica Feijó, Rogerman, banda Abelardo, DJs e muitas atrações animadas. Foi incrível dançar e abraçar tanta gente que é parte dessa história e que sonha junto com a gente.  E se você, que me lê agora, ainda não conhece a Gestos, eu lhe convido a conhecê-la e a se apaixonar por ela também. Tenho certeza que depois disso você vai também gritar conosco: VIVA A GESTOS!

Temas deste texto: Direitos Humanos - Gestos 30 anos - HIV/AIDS

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