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CNS faz recomendações para evitar o desabastecimento do Dolutegravir no SUS

CNS faz recomendações para evitar o desabastecimento do Dolutegravir no SUS

No último dia 20 de outubro, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) apresentou recomendações para ações que se contrapõem às ameaças no abastecimento do antirretroviral Dolutegravir para 2023, que bloqueiam a compra de genéricos pelo Ministério da Saúde. As recomendações foram deliberadas durante a plenária da 335ª Reunião Ordinária do Conselho, realizada nos dias 19 e 20 de outubro. Em nota, o CNS faz recomendações objetivas a diversos órgãos de natureza jurídicas, técnicas e administrativas, como o Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), à 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, ao Ministério da Saúde e ao Tribunal de Contas da União.

O Dolutegravir é um antirretroviral de uso oral e destinado ao tratamento do HIV/ AIDS. O medicamento, que passou a ser adotado pelo Brasil no final de 2016, tem apresentado bons resultados em outros países e possui alta efetividade e tolerabilidade no organismo humano, sendo uma alternativa viável ao tratamento inicial. De acordo com o Ministério da Saúde, 460.447 pessoas utilizam o medicamento para tratar o HIV, sendo um dos mais importantes no controle do vírus. 

O remédio foi desenvolvido a partir de uma aliança estratégica entre as farmacêuticas ViiV Healthcare e GlaxoSmithKline (GSK) e é distribuído no Brasil pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A versão genérica do medicamento é produzida através da parceria entre o Laboratório Federal do Estado de Pernambuco (Lafepe) e a empresa nacional Blanver. 

Em 2021, o Ministério da Saúde havia previsto a compra de 79,5 milhões de unidades produzidas pelo Lafepe e de outros 79,5 milhões de comprimidos do Farmanguinhos/Fiocruz, mas a compra das unidades do Lafepe foi questionada tanto na esfera judicial quanto administrativa pela ViiV Healthcare, que tem alegado que a compra viola a propriedade intelectual da empresa. O CNS aponta que a empresa tem atuado na tentativa de estabelecer um monopólio privado e impossibilitar a compra do genérico produzido pelo Lafepe pelo Ministério da Saúde.

Contudo, em 2018 o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável pelo exame de patentes no Brasil, emitiu um parecer contrário ao pedido de patente do Dolutegravir feito pela farmacêutica japonesa Shionogi & Company e pela estadunidense VIIV Healthcare. Em avaliação ao pedido de extensão das empresas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acompanhou o parecer inicial do INPI e identificou ausência de novidade na substância; porém, em 2020, o mesmo instituto mudou sua decisão e aprovou a patente, o que vai na contra-mão de diversas opiniões técnicas anteriormente emitidas pelo órgão.

Baseadas em uma patente frágil e questionável, as ameaças propagadas pela ViiV têm criado um cenário de abastecimento incerto do medicamento para 2023, com riscos de atrasos nas entregas, preços elevados e prejuízos à continuidade do tratamento de milhares de brasileiros e brasileiras. Em março deste ano, uma reportagem do jornal O Globo já revelava que o estoque do medicamento do MS correspondia a menos de um mês do consumo médio nacional, uma vez que o início das entregas não foi cumprido pelos laboratórios.

Em nota, o CNS evidencia que “a redução de preços de medicamentos por meio da concorrência é essencial para assegurar a continuidade de programas de acesso gratuito ao tratamento pelo SUS” e que “a contratação do Lafepe para produzir o medicamento genérico, representa uma economia de R$ 38 milhões [ao Estado]”. O mesmo texto diz ainda que “o Art. 1º da Constituição Federal de 1988 prevê como fundamentos do Estado, a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana” e destaca também o artigo 196 da C, que define a saúde como sendo um “direito de todos e dever do Estado”, com a “redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Outro ponto destacado pelo CNS é que este risco de desabastecimento vem à reboque do recente corte orçamentário de R$ 407 milhões na política de HIV/AIDS, divulgado pelo jornal Estadão, em 7 de outubro deste ano. A reportagem denunciava uma série de cortes em 12 programas do Ministério da Saúde que totalizam R$ 3,3 bilhões em recursos da União com a finalidade de realocá-los para a manutenção do orçamento secreto em 2023. 

Confira na íntegra as recomendações do Conselho Nacional de Saúde sobre o caso

 

Ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial: 

Que declare administrativamente a nulidade da patente PI0610030-9, referente ao Dolutegravir, reconhecendo que ela não preenche os requisitos mínimos de patenteabilidade e apresenta gravíssimos riscos para a sustentabilidade das políticas públicas de saúde. 

 

À 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro: 

Que, em atenção ao processo 5005427-49.2022.4.02.5101/RJ, suspenda imediatamente os efeitos da patente PI0610030-9 e, posteriormente, declare judicialmente a sua nulidade, reconhecendo que ela não preenche os requisitos mínimos de patenteabilidade e garantindo assim acesso ao medicamento Dolutegravir, sem interrupção a tratamentos e sem onerar financeiramente o SUS.

 

Ao Ministério da Saúde: 

I – Que tome todas as medidas cabíveis para superar as barreiras impostas pela patente da ViiV e da Shionogi, inclusive o licenciamento compulsório das patentes e pedidos de patente relacionados ao Dolutegravir, com vistas a defender a sustentabilidade das políticas de acesso universal a tratamentos no SUS e a primazia do direito à saúde em relação aos direitos de propriedade intelectual;

II – Que atue na execução de suas ações para garantir e ampliar o acesso da população a medicamentos que tenham qualidade, segurança e eficácia, que perpassa pela disponibilidade, em quantidades necessárias de tecnologias, que atendam às necessidades sociais, através da implementação efetiva da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, articulada a demais políticas públicas.

 

Ao Tribunal de Contas da União: 

Que monitore e acompanhe a execução dos contratos relacionados à aquisição do Dolutegravir, bem como os contratos relacionados ao repasse de recurso público aos laboratórios oficiais atuantes na produção deste medicamento.