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Audiência Pública na Câmara dos Deputados debate o risco de desabastecimento do Dolutegravir

Audiência Pública na Câmara dos Deputados debate o risco de desabastecimento do Dolutegravir

Na manhã da terça-feira (8), a Câmara dos Deputados promoveu uma Audiência Pública para debater o risco de desabastecimento do Dolutegravir, medicamento antirretroviral (ARV) mais usado no país para o tratamento de pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHAs). Convocada pela Comissão de Seguridade Social e Família através do mandato da deputada federal Jandira  Feghali (PCdoB – RJ), a audiência teve a participação de representantes de órgãos técnicos e laboratórios públicos, bem como do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e de organizações da sociedade civil do Movimento Nacional de Luta Contra a Aids.

O risco de desabastecimento envolve uma controversa disputa pela patente e o direito de fabricação do medicamento genérico pelo Laboratório Federal do Estado de Pernambuco (LAFEPE) e o Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/Fiocruz), o que tem bloqueado a compra de medicamentos pelo Ministério da Saúde (MS). No dia 20 de outubro, o CNS apresentou recomendações ao Ministério da Saúde para ações que se contraponham às ameaças no abastecimento do antirretroviral Dolutegravir para 2023.

“O LAFEPE vem participando, desde 2010, de algumas parcerias de transferência de tecnologia com alguns laboratórios privados”, explica Djalma Dantas, diretor comercial do LAFEPE. Essa ação consiste, basicamente, “na transferência da tecnologia de produção de um medicamento […] e, durante cinco anos, há um processo de acompanhamento do MS para que o laboratório público detenha essa produção e faça o fornecimento ao SUS”. 

Ainda segundo Djalma Dantas, “durante o ano de 2022, o LAFEPE, juntamente com seu parceiro transferidor da tecnologia, mostrou total capacidade de fornecimento dessa demanda [nacional], inclusive antecipando suas entregas”. Entretanto, ele destaca que o pedido de fornecimento ao Ministério para 2023 está sendo impossibilitado devido à a patente, o que está sendo analisado pelo Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro (TRF-2). O representante do laboratório informa que “o que o LAFEPE pretende é dar continuidade [à fabricação do Dolutegravir] até que esta decisão esteja transitada em julgado”.

De acordo com a diretoria do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI), “atualmente o Ministério da Saúde disponibiliza 19 medicamentos antirretrovirais em 34 apresentações, entre elas o Dolutegravir de 50mg (comprimidos); nas diferentes fases da terapia ARV, esses medicamentos asseguram, atualmente, o tratamento para aproximadamente 720 mil pessoas  das quais, 484 mil utilizam o Dolutegravir de 50mg”.

O departamento garantiu na audiência que o abastecimento do medicamento “encontra-se regular no Brasil e todos os serviços de atendimento possuem estoque estratégico para atendimento integral da demanda” e que “não há risco de desabastecimento”. O DCCI afirmou também que “os cortes orçamentários que têm sido divulgados impõem grandes desafios ao MS, mas até agora não impactam nessa ação orçamentária, que é obrigatória e, portanto, não comprometeram os recursos para aquisição desses antirretrovirais”, pelo menos até os próximos meses do ano que vem.

Segundo Felipe Fonseca, que na ocasião representou o  Grupo de Trabalho Sobre Propriedade Intelectual (GTPI) e a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), “o programa de HIV/AIDS no Brasil só foi viável porque nós tínhamos dois pilares – a mobilização da sociedade civil e a produção nacional de medicamentos genéricos”, destacando o papel dos laboratórios públicos na fabricação da primeira geração de medicamentos e desenvolvimento de uma resposta nacional que se tornou uma referência mundial.

Em sua apresentação, Fonseca evidenciou as sucessivas ameaças que a disputa pela propriedade intelectual de fármacos tem representado para a sustentabilidade e garantia de um tratamento gratuito e de qualidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS), fazendo dobrar o custo dos medicamentos patenteados que estavam sendo introduzidos no Brasil no início dos anos 2000.

“Nos últimos cinco anos, em média 71% do orçamento do programa de HIV/AIDS tem sido gasto com a compra de medicamentos; essa compra é muito importante, mas o tratamento não se baseia só em distribuir medicamentos, a gente precisa também de políticas de aconselhamento, cuidados integrais, apoio psicossocial, treinamento de profissionais, campanhas informativas, enfim […] Quanto mais os medicamentos consomem [do orçamento], menos sobram em recursos para essas outras ações tão importantes e 69% do valor gasto na aquisição de remédios é destinado à compra de medicamentos patenteados”, analisou.

Representando a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP +) e o Conselho Nacional de  Saúde, Jair Brandão (assessor de projetos da Gestos) iniciou sua fala lembrando que o Art. 1º da Constituição Federal de 1988 prevê como fundamentos do Estado, a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana e que o Art. 196 do mesmo documento define a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, com a “redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. 

Para ancorar sua fala, ele cita também a Lei nº 9.313/96 que estabelece o acesso universal aos ARVs pelo SUS para todas as PVHAs, e a Lei nº 12.984/2014 que torna crime a negação ao tratamento para o HIV/Aids. “Reforçando que a contratação desse antirretroviral pelo Lafepe, que produz o medicamento genérico, representa uma economia de R$ 38 milhões devido à diferença de preço entre o LAFEPE (R$ 4,10/comprimido) e Farmanguinhos (R$ 4,58/comprimido); a redução de preços de medicamentos por meio da concorrência é essencial para assegurar a continuidade de programas de acesso gratuito aos tratamentos no SUS”, afirma o conselheiro nacional de Saúde. 

Sabemos que a redução de verbas compromete as ações do Sistema Único de Saúde (SUS) e o enfrentamento à epidemia de AIDS no país que, em 2020, registrou mais de 10 mil mortes pela doença (de acordo com o Boletim Epidemiológico 2021 do Ministério da Saúde)”, continua. De acordo com um levantamento feito pela Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), a regra do teto de gastos impediu o aumento real (acima da inflação) das despesas na área e retirou R$ 36,9 bilhões do SUS, entre os anos de 2018 e 2022. Essa mesma política deve retirar outros R$ 22,7 bilhões em 2023.  “Não podemos deixar que as 460 mil pessoas que dependem do Dolutegravir, inclusive eu, vivam com medo todos os dias de ficarmos sem esse importante e fundamental medicamento”, concluiu Jair.

Ao final da audiência pública, a dep. Jandira Feghali encaminhou à Comissão de Seguridade Social e Família a necessidade de realizar uma nova audiência, desta vez com a presença do o Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) – órgão responsável pelo exame de patentes no Brasil – e em diálogo com a atual e a futura gestão do Ministério da Saúde, se debruçar sobre os processos judiciais pela disputa da patente que estão em tramitação na Justiça, a fim de encontrar uma solução mais econômica ao Estado e garantidora de direitos às pessoas vivendo com HIV/AIDS.

Temas deste texto: ARV - Direito à Saúde - Dolutegravir - HIV/AIDS

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