Nota de apoio ao Conselho Federal de Psicologia: não há cura para o que não é doença; dizemos não à LGBTfobia
A Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero se orienta pelo pleno exercício dos direitos humanos e, assim como a Organização Mundial da Saúde (OMS), entende que a homossexualidade, não sendo uma doença, não necessita de cura.
Desta forma, a Gestos se solidariza com o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e repudia a decisão judicial (liminar) proferida em 15.09.2017 pelo Juiz Federal Waldemar Cláudio de Carvalho, nos autos da Ação Popular nº 1011189-79.2017.4.01.3400, assinada por profissionais de psicologia que defendem terapias de reversão sexual.
A decisão judicial, ao supor a possibilidade de abolir a homossexualidade, acaba por reafirmar a “normalidade da heterossexualidade” (seja com nome de cura, de reorientação, de “reversão sexual” ou de “tratamento da homossexualidade”), fortalecendo a perigosa ideia de que apenas relacionamentos heterossexuais devem ser percebidos como normais. Este pensamento, recorrente na sociedade, contribui para o aumento dos índices de violência contra a população LGBTTI no país. A decisão, portanto, corrobora a violação de direitos humanos de gays, lésbicas e bissexuais.
A Lei nº 5.766/1971, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia, atribui ao CFP orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de psicólogos(as), expedir as resoluções necessárias às atribuições e competências de profissionais de psicologia, definir nos termos legais o limite de competência do exercício profissional.
No exercício de suas atribuições, o CFP editou a Resolução nº 01/1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Esta resolução, ao contrário do que afirmam seus detratores, não rompe quaisquer direitos fundamentais de pacientes ou profissionais de psicologia, não sendo, portanto, um ultraje ao Poder Legislativo e à sociedade civil. Também não impede estudos científicos sobre a sexualidade humana, e tampouco, visa, em momento algum, restringir direitos e deveres de profissionais da psicologia, muito menos a sua liberdade de expressão e de trabalho.
A decisão judicial proferida é não apenas um agravo contra direitos conquistados pela população LGBTTI, como também um desrespeito à Lei nº 5.766/1971 pela qual o CFP deve “servir de órgão consultivo em matéria de psicologia”. Portanto, é legitima Resolução nº 01/1999 do CFP, que preceitua que a sexualidade faz parte da identidade de cada ser humano, devendo profissionais de psicologia contribuírem para que preconceitos ou discriminações ainda existentes no meio familiar, laboral, escolar e social sejam superados – o que está de acordo inclusive com o entendimento prevalecente na OMS.
Em sua atuação, é dever dos(as) profissionais de psicologia atender pessoas que passam por sofrimento psíquico, independentemente de sua orientação afetivo-sexual. É de extrema importância ressaltar que esse sofrimento pode ser também derivado de medos de repetições de discriminações sofridas, de registros de ameaças familiares que fixam dores e fantasias e/ou a ausência de respeito social.
É dever do psicólogo(a) e direito do(a) paciente ser respeitado em suas singularidades e subjetividades. Não existem “sinais” e “sintomas” para a homo ou a bissexualidade, pelo desejo afetivo e sexual de se relacionar com pessoas do mesmo sexo/gênero. A demanda do(a) paciente deve ser respeitada. Ele ou ela é quem vai expressar o que busca. O(a) psicólogo(a) não pode praticar ou reproduzir machismo, misoginia e LGBTfobia, pois isso vai contra a Ética da Psicologia e da Psicologia como uma Ética, alinhada à dignidade da pessoa humana.
O ordenamento jurídico pátrio, portanto, tem a atribuição essencial de atender às necessidades da sociedade, não devendo permitir que fundamentalismos de cunho religioso ou moral, primordialmente os expressados por pessoas dotadas de poder decisório ou governamental, restrinjam ou dificultem a promoção da igualdade e o respeito às diferenças entre todos os seres humanos, seja qual for seu sexo, gênero ou identidade sexual.
A Gestos reitera a sua defesa dos direitos humanos da população LGBTTI e se une às diversas manifestações contrárias à decisão liminar, conclamando ao Poder Judiciário a sua revogação.
Recife, 19 de setembro de 2017