Nota de posicionamento político: nenhum direito a menos
É com extrema preocupação que a Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero –, organização não governamental sediada no Recife, que neste 26 de maio de 2016 completa 23 anos de promoção e defesa dos direitos e de garantias das pessoas vivendo com HIV, reage às declarações e às medidas anunciadas pelo governo interino, que assumiu o poder através de um processo político, contaminado desde seu início por ilegitimidade judicial, que resultou no afastamento provisório da presidenta eleita Dilma Rousseff.
Entre outras, nossa maior preocupação, neste momento crítico, são as ameaças declaradas ao Sistema Único de Saúde. O SUS é resultado de anos de luta dos movimentos sociais para garantir o acesso à saúde como um direito fundamental das pessoas e como um dever do estado nacional.
O SUS é uma conquista da Constituição Federal de 1988. Sua criação se deu na mesma década em que a epidemia da AIDS chegou ao Brasil e sua estruturação nos princípios da universalidade, da equidade e da integralidade foi fundamental para assegurar, por exemplo, o enfrentamento da epidemia no país. É importante frisarmos nesse momento que as leis que instituem e regulamentam o Sistema Único de Saúde, como é o caso da Lei 8080/90 e 8142/90, são responsáveis por criar diretrizes, fundamentos, critérios de repasses, mecanismos de controle social, entre outras regras de crucial importância para o pleno funcionamento da saúde pública.
A Gestos, ratificando o que o SUS preconiza quando incentiva a participação popular e cidadã, tem realizado o monitoramento deste sistema através de espaços formais e informais de controle social e tem constatado a sequência de ataques sofridos cotidianamente por aqueles que querem o seu desmonte e privatização.
Perda de direito
Os primeiros discursos e posicionamentos desse governo interino e ilegítimo vêm explicitar seu alinhamento com a privatização e desestruturação de bens públicos como o SUS, quando afirmam que o Estado não conseguiria mais atender a 75% da população (a cobertura atual) e propõem abertamente a sua redução. Não adianta, portanto, que o ministro interino da saúde, o engenheiro Ricardo Barros, revise o seu discurso, quando suas ações o reafirmam. Barros, por exemplo, não recuou de reduzir a fiscalização dos planos de saúde e, inclusive, reuniu-se com seus representantes para debater uma menor interferência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na regulação destas empresas de financiamento da saúde privada.
Vale dizer, a postura desse ministro interino vai de encontro a todos os avanços já obtidos em nome e em favor do SUS. Os princípios gerais de universalidade do Sistema, construídos e registrados na Constituição Federal, estão sendo flagrantemente desrespeitados. Além do mais, nosso sistema jurídico constitucional veda expressamente o retrocesso de direitos fundamentais. E, inquestionavelmente, a saúde é um direito fundamental.
PEC reduz orçamento da Saúde
Também nesta semana, continuando o desastre anunciado por medidas de austeridade recessivas, o ministro interino da Fazenda, Henrique Meirelles, comunicou que o governo provisório apresentará uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para reduzir, ainda mais, o orçamento destinado à saúde e à educação nas três esferas de poder; ou seja, a desobrigação do Estado na priorização dessas políticas sociais, base para o desenvolvimento sustentável da nação. Sabemos que, no caso da AIDS e de tantas outras enfermidades, isso se traduzirá em maior negligência à saúde dos mais pobres.
O golpe em curso contra o SUS, e contra a democracia, é um golpe contra direitos fundamentais da população brasileira e exclui de modo determinante os direitos das pessoas mais vulneráveis – às quais a Gestos dedica seus esforços incessantemente desde sua fundação, em 1993.
Nenhum direito a menos é o lema que defendemos sem hesitação.
A Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero – não reconhece a legitimidade do governo interino de Michel Temer e não aceita retrocessos em qualquer direito conquistado pela sociedade brasileira desde a redemocratização do país. Por isso mesmo, respeitando o nosso dever social e institucional, reiteramos que buscaremos, cada vez mais, ocupar os espaços públicos, de forma a reivindicar e lutar pela promoção dos direitos sociais e fundamentais da população brasileira.
Recife, 26 de maio de 2016