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A urgência da luta contra a tuberculose em meio à pandemia de coronavírus

A urgência da luta contra a tuberculose em meio à pandemia de coronavírus

A articulação Social Brasileira para o Enfrentamento da Tuberculose divulga nesta terça-feira (24/03) carta aberta à sociedade brasileira para a urgência de medidas para o enfrentamento da tuberculose em meio à pandemia do novo coronavírus. A negligência em relação à tuberculose pode agravar a situação da saúde pública. A doença mata 4.500 pessoas todos os dias no mundo. Entre as sugestões práticas para o enfrentamento da epidemia está a adoção de novas medicações contra a tuberculose no país, a incorporação do  medicamento Bedaliquina para tuberculose multirresistente, conforme indicação da Organização Mundial de Saúde (OMS), e a priorização do tratamento preventivo para tuberculose em pessoas vivendo com HIV/Aids.

Confira a íntegra da carta divulgada à sociedade hoje:

A urgência da luta contra a Tuberculose em meio à pandemia do Coronavírus

20 propostas concretas para impedir uma catástrofe de saúde pública

Neste 24 de março, dia mundial de luta contra a Tuberculose, a Articulação Social Brasileira para o Enfrentamento da Tuberculose (ART TB BRASIL) alerta a sociedade e as autoridades para o risco da pandemia do novo Coronaviírus (COVID-19) potencializar a gravidade da epidemia de Tuberculose (TB), a doença infecciosa mais mortal do mundo atualmente. A Tuberculose mata quatro mil pessoas todos os dias, 1,5 milhão por anoi. Formas mais severas da doença estão avançando e afetaram meio milhão de pessoas em 2018.

Com a atual crise do COVID-19, a resposta à Tuberculose é prejudicada pela sobrecarga dos serviços de saúde e pelas restrições de deslocamento até as unidades de saúde, mas sobretudo pelos desafios do ponto de vista epidemiológico. Estudos realizados na China apontam que a TB ativa ou latente aumenta a suscetibilidade ao COVID-19 e constitui fator de risco para o desenvolvimento dos quadros mais graves relacionados ao COVID-19ii. Estima-se que 25% da população mundial possui TB latenteiii.

Negligenciar a resposta à Tuberculose neste momento é, portanto, um grave erro de saúde pública. Ao mesmo tempo, adotar medidas sustentáveis e duradouras na resposta à TB possibilitará não apenas um melhor resultado na redução da mortalidade do COVID-19, mas também impedirá um pico na incidência da TB. Isso é essencial, pois no Brasil houve aumento do número de casos de TB, de 87 mil em 2016 para 95 mil em 2019iv. Além disso, a prevalência da TB se concentra em contextos de pobreza, como favelas e periferias, com populações altamente negligenciadas no acesso à saúde e que podem ser gravemente afetadas pela crise do COVID-19. Neste cenário, demandamos ao Governo Federal a adoção de uma série de medidas para superar as deficiências que se acumulam na resposta brasileira à Tuberculose, recuperando e aperfeiçoando os serviços existentes, além de medidas emergenciais no contexto do COVID-19.

Medidas para garantir a sustentabilidade da resposta à Tuberculose:

  1. A adoção de novos fármacos no país para o tratamento da Tuberculose latente.

  2. A incorporação do medicamento Bedaquilina, para controle da Tuberculose multidrogarresistente (TBMR) conforme diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Brasil segue utilizando esquemas com drogas injetáveis, que causam efeitos adversos e sequelas, quando já existem esquemas menos tóxicos e mais eficazes. No Brasil, a TBMR vem se ampliando sem a devida atenção e urgência, conforme apontam dados preliminares de diversos estudos e dados programáticos. A solicitação de incorporação da Bedaquilina foi realizada junto à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – SUS – (CONITEC) em 25/04/2019, já tendo sido extrapolados, portanto, todos os prazos estipulados pelo órgão para realizar sua análise.

  3. A inclusão do diagnóstico pela urina (LAM) no SUS, particularmente em unidades terciárias (hospitais) para auxílio no diagnóstico e início de tratamento em pessoas com HIV em situação grave, com baixa imunidade, que exigem respostas rápidas. O processo arrasta-se na CONITEC. Pessoas em estados de alta prevalência de coinfecção TB-HIV perdem com a falta desse diagnóstico, recomendado pela OMS.

  4. A priorização do tratamento preventivo da TB para pacientes HIV+ como instrumento eficaz já previsto nas diretrizes de HIV/Aids desde 1993. Estima-se que menos de 10% das pessoas HIV+ elegíveis recebam o devido tratamento preventivo. A falta de dados programáticos sobre este tema impede o enfrentamento correto do problema.

  5. Uma solução concreta para a indisponibilidade da rifampicina 300mg, em cápsulas, e de 20mg/mL, suspensão oral, que está afetando o tratamento de adultos e crianças com TB no país. Conforme o Ofício Circular nº 6 da CGDR/DCCI/SVS/MS de outubro de 2019, o restabelecimento apenas no segundo trimestre de 2020, soa demasiado distante e vago para os cidadãos com Tuberculose, que sofrem com o racionamento da sua distribuição nos estados. A situação demonstra a incapacidade de acionar organismos multilaterais para localizar fornecedores alternativos;

  6. A priorização no registro e incorporação do IGRA, que pode contribuir para o diagnóstico de pessoas com TB dentre pacientes HIV+ em hospitais no Brasil, país de alta carga da coinfecção TB-HIV;

  7. A restauração do Comitê Técnico Assessor da Tuberculose (CTA-TB), extinto em 2019 e cuja ausência tem contribuído para a clara desaceleração na revisão das diretrizes para diagnóstico e tratamento da TB em nosso país, quando temos urgência na revisão e adoção das frequentes novas diretrizes da OMS

  8. As revisões tanto da Resolução nº 444, de 6 de julho de 2011, que trata do papel do controle social do SUS no monitoramento do Plano Nacional de Controle da Tuberculose, quanto do Relatório da Sub Comissão Especial de Seguridade Social e Família (CSSF) de Doenças Determinadas pela Pobreza, da Câmara dos Deputados, no sentido do resgate das propostas e encaminhamentos apontados nos documentos que dizem respeito à pactuação política, convergência e articulação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Sistema Único de Saúde (SUS) para o enfrentamento das doenças relacionadas à pobreza;

  9. Investimentos em esforços de formação para reduzir o desconhecimento, entre os profissionais da saúde, a respeito da TB. Existe uma forte necessidade de conscientização e divulgação das especificidades da doença para médicos, agências de saúde e organizações comunitárias, especialmente aquelas que atendem populações vulneráveis em territórios de difícil acesso. Oportunidades limitadas de treinamento em levam a uma perda de conhecimento e experiência em TB por parte desses atores;

  10. Apoio político, técnico e financeiro para o desenvolvimento de ações de advocacy, comunicação e mobilização social (ACMS), por meio do engajamento das organizações da sociedade civil (OSC) e comunidades.

  11. A implementação de políticas, programas e estratégias de direitos humanos conforme a Declaração dos Direitos das Pessoas Afetadas pela Tuberculose, visando o enfrentamento do estigma e a discriminação associadas à TB.

  12. Reduzir dependência de insumos externos; aumentando investimentos públicos em P&D e produção e vinculando-os a politicas de transparência, acesso universal e conhecimento aberto.

Medidas emergenciais no contexto da COVID-19:

  1. Emissão pelo MS de Nota Técnica com recomendações para manejo de pessoas com TB/COVID-19;

  2. Garantir que todos com TB ou COVID-19 sejam diagnosticados precocemente e recebam o tratamento necessário. Garantir diagnóstico molecular para todos os casos sintomáticos de COVID-19;

  3. Revogação imediata da EC 95/2016, que retirou verba do SUS, congelando investimentos até 2036.

  4. Aumento imediato dos recursos destinados ao enfrentamento da Tuberculose, que são historicamente insuficientes e sofreram redução de 37% de 2019 para 2020;

  5. Medidas econômicas voltadas para a manutenção e ampliação de mecanismos de proteção social às pessoas afetadas pela TB, que em sua maioria são de baixa renda e vivem em condições precárias;

  6. Monitoramento regular das pessoas afetadas pela TB por unidades e equipes de saúde comunitárias, garantindo que agentes e ativistas atuantes em comunidades acessem insumos como máscaras N95;
  7. Estratégias de atenção às populações já mais vulneráveis à TB, em particular as populações privadas de liberdade, as populações em situação de rua, as populações isoladas (como indígenas) e as pessoas vivendo com HIV/Aids, sobre as quais o impacto do COVID-19 poderá ser catastrófico;
  8. Fomentar estudos para entender dinâmicas de comorbidade do COVID-19 com TB e outras doenças.

Essas propostas são fruto da reflexão de um coletivo nacional de atores sociais envolvidos na luta contra a Tuberculose (ART-TB Brasil), sendo muitas delas extraídas da Nota de posicionamento do coletivo de ativistas na luta contra a tuberculose no Rio de Janeiro, lançada este mês. Reforçamos assim demandas importantes claras e objetivas, sobre as quais aguardamos um rápido posicionamento do Ministério da Saúde.

ii Dados de um estudo multicentrico observacional de caso-controle:

https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.10.20033795v1.full.pdf

iv conforme o último Relatório Global da Tuberculose (OMS)

Temas deste texto: Coronavírus - Tuberculose