Gestos realiza seminário online para discutir estigma e discriminação no trabalho, previdência e assistência social
Na quinta-feira (25), a Gestos promoveu, com apoio do Instituto Mattos Filho, o seminário HIV/AIDS, estigma e descriminação – um diálogo sobre trabalho, previdência e assistência social. O evento online reuniu juristas, pesquisadoras/es, parlamentares, profissionais de saúde e pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) para refletirem sobre as medidas que têm sido (e ainda podem ser) adotadas pelas instituições para responder às demandas trabalhistas, previdenciárias e assistenciais das pessoas soropositivas.
O estigma e a discriminação dialogam diretamente com a garantia de direitos e estabelcem barreiras para a prevênção e a adesão ao tratamento, como demonstram os dados do Índice de Estigma e Discriminação em Relação às Pessoas Vivendo com HIV/AIDS, levantamento feito 2019 e pulbicado pela Gestos, em parceria com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) e a Pontífice Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em cinco cidades brasileiras (Manaus, Porto Alegre, Recife, Salvaldor e São Paulo).
“Das mais de 300 ações judiciais atualmente acompanhadas pela Assessoria Jurídica especializada da Gestos, a maioria absoluta gira em torno do campo trabalhista e, principalmente, previdenciário e assistencial”, disse a assessora jurídica da Gestos, Kariana Guérios. “Precisamos ver o estigma de um ponto de vista muito mais amplo”, continuou a advogada, apontando que “a cronificação do HIV e seus sinais exteriores acabam sendo pontos fundamentais para a conquista dos benefícios; entretanto estes critérios também são fatores estigmatizantes que contribuem para o adoecimento e tem, inclusive, levado à morte”.
Como lembrou o infectologista, Dr. Demetrius Montenegro, “o estigma, o preconceito e a discrimanação foram historicamente construídos e isso impacta a saúde, a prevenção e a continuidade do tratamento (sobretudo para os grupos mais socialmente vulnerabilizados), contribuindo negativamente para o enfrentamento à Aids”. De acordo com o médico, este é um tema que preocupa organizações médicas e da sociedade civil. “É preciso quebrar a corrente do preconceito”.
“Quando comecei a atuar no Correia Picanço me surpreendi com a dimensão do preconceito e do estigma, pois eles atravessam todas as dimensões das PVHA, passando de forma transversal pelo acesso e conquista de direitos que melhoram suas qualidades de vida”, comentou A assistente social Janice Lemos. “Saúde, assistência e previdência social formam o tripé da seguridade social e são direitos garantidos pelo Estado”, explicou a profissional,
De acordo com ela, as iniquidades sistêmicas identificadas no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como alta procura de pessoas que enfrentam insegurança alimentar grave, fragiliza os sujeitos, sobretudo as PVHA. “Para falar em combate ao estigma e preconceito, para se ter uma resposta efetiva ao HIV, é necessária a assistência social. Os serviços de saúde e redistribuição de renda precisam dialogar para que haja uma resposta efetiva”.
Para o juiz da Turma Nacional de Uniformização (TNU), Dr. Fábio Souza, existem questões importantes para discutir a tutela da previdência social no caso das PVHA, por isso, é preciso desenvolver meios legais que compensem as desigualdades sociais enfrentadas pelas pessoas estigmatizadas. “Há um princípio jurídico que é a ideia de alteridade – reconhecer o/a outro/a como alguém diferente de mim, mas que também é merecedor(a) de igualdade e respeito; precisamos trazer isso para o debate jurídico e desenvolver molas propulsoras que impulsionem mudanças sociais, levando às PVHA instrumentos contra o estigma que permitam o acesso ao mercado de trabalho e direitos sociais”.
Para isso, “é fundamental o fortalecimento das organizações onde estão os/as protagonistas dessa luta”, avaliou o vereador do Recife, Ivan Moraes (PSOL-PE), que também destacou ações propostas do seu mandato construídas em diálogo com o Movimento Aids, como a fixação do memorial em homenagem aos 40 anos de luta contra a AIDS (fixado no Pátio de Santa Cruz, no bairro da Boa Vista), bem como a apresentação do Projeto de Lei Ordinária (PLO) 370/21, que atualmente está transitando na Câmara dos Vereadores e busca estabelecer o Passe Livre para pessoas vivendo com HIV/AIDS na cidade.
Quem também partilha dessa avaliação é a co-deputada estadual pela mandata das Juntas (PSOL-PE), Carol Vergolino, que também lembrou que “os setores conservadores tiveram um forte papel para a moralização e estigmatização do HIV/AIDS e cabe a nós, do campo progressista avançar no enfrentamento ao estigma e preconceito”. A parlamentar também citou o atual desmonte das políticas de HIV/AIDS no país, que impacta diretamente a saúde sexual e reprodutiva das mulheres, sobretudo aquelas em maior vulnerabilidade social. “O controle social das políticas de HIV/AIDS e o fortalecimento das organizações da sociedade civil são caminhos essenciais para garantir direitos”, concluiu.
O senador Paulo Paim (PT-RS) e a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) também fizeram intervenções em vídeo e também comentaram o atual cenário das políticas públicas de HIV/AIDS.
Por fim, o representante do Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) do Ministério da Saúde, Gil Casemiro, compartilhou algumas das ações empreendidas pelo departamento para promover e assegurar os direitos das pessoas que utilizam o SUS, como a Agenda Estratégica do DCCI em parceria com UNAIDS para zerar a discriminação nos espaços de saúde, além da realização de cursos de educação à distância (EAD), em parceria com a Fiocruz, voltados para os profissionais da rede da saúde e assistência social sobre os temas “Estigma e Discriminação” e “Proteção Social das pessoas em situação de vulnerabilidade social com Sífilis, HIV/AIDS, Hepatites Virais, Tuberculose ou Hanseníase”.
Entre outras coisas, o evento evidenciou a necessidade de manutenção dos canais de diálogo abertos com parlamentares do campo progressista a fim de assegurar direitos; bem como a urgência de maiores articulações entre jurídicas para fortalecer o debate sobre enfrentamento ao estigma e discriminação no campo trabalhista, assistencial e previdenciário.