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ARTIGO: Financiamento do desenvolvimento sustentável no Brasil

ARTIGO: Financiamento do desenvolvimento sustentável no Brasil

Artigo de Claudio Fernandes, economista e do GT Agenda 2030. Publicado originalmente pela Revista Fórum, em 27 de outubro de 2023.

 

“Para conseguirmos implementar a Agenda 2030, nós precisamos mudar a forma de pensar.”
Amina Mohammed, Sub-Secretária Geral da ONU no encerramento da Conferência dos ODS (Out. 2023)

De todos os dezessete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que fazem parte da ampla Agenda 2030 para Transformar Nosso Mundo, fruto de um profundo processo de negociação política e técnica que durou três longos e intricados anos, o ODS 17, voltado a fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável é justamente o mecanismo que desenvolve as condições de possibilidade para realizar toda a Agenda.

É somente através de uma mudança substancial no paradigma de alocação de recursos – financeiros, humanos e materiais – e da construção de parcerias intersetoriais e interdisciplinares que a Agenda 2030, incluindo o Acordo de Paris para o Clima, o Acordo de Sendai para Redução e Desastres, e a Agenda de Ação de Adis Ababa podem ser implementadas a contento.

E não é simples e especificamente uma questão de aumentar os recursos na direção da sustentabilidade, mas principalmente de reduzir a quantidade de energia dedicada à continuidade das atividades econômicas que são as fontes dos problemas que essas agendas tentam resolver em primeiro lugar.

Como comparou o Embaixador de Zambia, no Fórum Político de Alto Nível de 2019“estamos em um barco furado e os recursos são utilizados para tirar a água do barco, com baldes pequenos, mas não para tapar os buracos por onde a água entra.”

Ou seja, políticas públicas e decisões empresariais continuam sendo conduzidas com base em um conceito hegemônico de desenvolvimento econômico que estimula o aumento das desigualdades e a expansão do extrativismo predatório, comprovado pelo caso paradigmático do momento sobre a exploração de petróleo no delta do Rio Amazonas.

Enquanto o desenvolvimento de ciência e tecnologia, com forte investimento em capacidades humanas através da alocação de capital público significante em educação e cultura, constitui uma das mais eficientes soluções para alcance de bem estar social e equilíbrio ambiental, fomentando oportunidades para inovação e assim alavancar a sustentabilidade de maneira holística.

O constante fluxo de recursos públicos e privados para a manutenção de uma estrutura de produção primária ancorada em privilégios de setores econômicos dominados por oligopólios mantém o curso de produtividade destrutiva generalizada que só vem amplificando os retrocessos do país no alcance das metas dos ODS, como vem sendo rigorosamente monitorado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 através do Relatório Luz do Desenvolvimento Sustentável no Brasil.

A situação do ODS 17 que vem sendo apontada pelo Relatório Luz está praticamente inalterada em sete anos. O país está economicamente estagnado há uma década, com vários retrocessos na garantia de direitos trabalhistas, com uma pauta de exportação dominada por produtos primários, sendo conduzido sob o hegemônico pensamento do Estado mínimo que fortalece a construção do Estado incapaz, privatizado por dentro e por fora através da expansão de parcerias público-privadas e da dívida pública.

No Brasil, um dos maiores desafios para a implementação dos ODS é ter uma dinâmica política dominada por fisiologismo e desconsideração pelo que significa o espírito republicano na condução dos afazeres de governo.

A realização de políticas como a Emenda Constitucional 95 –  Teto de Gastos –, aprovado sob a falsa premissa de um desarranjo fiscal de longo prazo (uma mentira propagada repetidamente nos meios de imprensa), denunciado pelo Assessor de Direitos Humanos da ONU, Philip Alston, como “o programa de austeridade mais cruel do mundo” em seu relatório oficial, é apenas um exemplo de políticas de transferência de renda que concentra ainda mais a riqueza: desinvestimento social para pagamento de dívida crescente num país de grande pobreza.

E o regime tributário, que poderia ser um instrumento de redistribuição de renda e redução de desigualdade econômica, no Brasil é um agravante da desigualdade.

Agora sob o processo de uma reforma que não busca alterar sua substância regressiva – pois sobrecarrega as classes mais pobres com seus impostos indiretos ou sobre o trabalho –, e que continuará sendo assim devido ao entrave político de representatividade assimétrica, como apontado acima, constituir-se como um outro grande obstáculo estrutural para o financiamento do desenvolvimento sustentável no Brasil.

Com base nas discussões correntes no Congresso Nacional, a reforma tributária não será capaz de contribuir expressivamente para tal, pois a força dos setores privilegiados é maior do que a vontade de se construir uma nação próspera e sustentável. Este é um impasse que perpetua o atraso.