Gestos se posiciona sobre o relatório 2023 da UNAIDS
A ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero recebe com preocupação os dados divulgados pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) em relação à resposta brasileira ao HIV/Aids. Embora reconheçamos o progresso alcançado pelo país – até o momento, 91% das 990 mil pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHAs) no país conhecem seu diagnóstico e dessas 81% estão em tratamento, lamentamos que isso signifique o Brasil tenha alcançado apenas 1 das 3 metas globais (95/95/95) para que a AIDS deixe de ser uma ameaça à saúde pública até 2030. Apesar de ser muito importante que, entre as pessoas em tratamento, 95% estejam com a carga viral suprimida, precisamos de mais esforços para que todas as metas atinjam este mesmo percentual.
Segundo os dados do UNAIDS em 2022, o país registrou 51 mil novos casos de HIV e 13 mil mortes em decorrência da Aids, sendo que a maior prevalência das infecções ocorre entre pessoas transexuais (30%), homens que fazem sexo com homens (18%) e profissionais do sexo (5,3%). É preocupante o impacto desproporcional sobre as pessoas em situação de vulnerabilidade, que enfrentam barreiras no acesso aos cuidados de saúde adequados. Isso inclui a comunidade LGBTQIA+ e, em particular, pessoas trans, que sofrem com a discriminação e o estigma, tanto no acesso à saúde quanto na sua vivência cotidiana.
Observa-se também que as desigualdades históricas do país continuam sendo um obstáculo para o acesso equitativo aos recursos de prevenção e tratamento. Entre 2011 e 2021, houve um aumento de 13,4 pontos percentuais nos casos de AIDS entre pessoas negras no Brasil. Ao analisar os dados do último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, percebe-se que 58,9% dos óbitos em decorrência da Aids se deram entre pessoas negras (45,3% pardas e 13,6% em pretas). O percentual de óbitos entre mulheres negras é maior que o observado em homens negros: 59,4% e 58,7%, respectivamente.
Isso ocorre porque justamente porque as mulheres negras são mais vulnerabilizadas, devido a fatores como dificuldade em negociar o uso de preservativos com seus parceiros, machismo estrutural, vulnerabilidade às violências, pobreza, baixa escolaridade e acesso limitado à saúde. O racismo institucional também contribui para essa vulnerabilização, afetando o acesso a testes e tratamentos. Além disso, o atendimento pré-natal de qualidade é insuficiente para mães negras, resultando em um alto índice de mortalidade materna.
Esses dados destacam a desigualdade racial e as disparidades de saúde que ainda afetam a população negra no Brasil em relação ao HIV/AIDS. Eles evidenciam a necessidade de ações e políticas públicas que levem em consideração as questões de raça, gênero e acesso igualitário à saúde, visando reduzir essas desigualdades e garantir o cuidado adequado para todas as pessoas.
É importante que o atual Governo Federal tenha assumido o compromisso de enfrentar as desigualdades e os determinantes sociais e econômicos que deixam as pessoas mais vulneráveis ao HIV e à AIDS. Esperamos que o novo plano nacional de enfrentamento da pandemia coloque os direitos humanos e as pessoas afetadas outra vez no centro das respostas, pois sabemos que os dados sobre o Brasil apresentados no recente relatório do UNAIDS são frutos da invisibilização do HIV/Aids e das más decisões políticas e administrativas das últimas gestões federais, inclusive da ausência de diálogo do último governo com as organizações da sociedade civil que atuam contra o HIV/AIDS.
Nós, da Gestos, esperamos que as autoridades brasileiras cumpram o planejamento em curso, adotando medidas concretas para o desenvolvimento de políticas inclusivas e efetivas. É fundamental aumentar os recursos para prevenção combinada e tratamento, e a implementação de programas específicos para as populações mais afetadas, além da promoção de uma educação abrangente e livre de preconceitos, pautada no respeito à diversidade, que inclua a educação compreensiva sobre sexualidade e seja promotora da igualdade de gênero.
Somente políticas acompanhadas por investimentos adequados e sustentáveis, com plena participação social, serão capazes de garantir uma resposta efetiva ao HIV/Aids, protegendo a saúde e os direitos de todas as pessoas, independentemente de raça/cor, condição sorológica, identidade de gênero e/ou orientação sexual. Juntos/as/es, podemos superar os desafios e trabalhar em direção a um Brasil que livre da Aids como ameaça a saúde pública até 2030, sem deixar ninguém para trás.