Gestos inicia formações para o Índice de Estigma em Relação às Pessoas Vivendo com HIV/AIDS 2024
A Gestos deu início, nesta quinta e sexta-feira (20 e 21), no Recife, à formação das pessoas entrevistadoras para o “Stigma Index Brasil 2024 – Índice de Estigma em Relação às Pessoas Vivendo com HIV/AIDS”. A ampla pesquisa é um espelho do que acontece na vida das pessoas vivendo com HIV/AIDS mesmo depois de 40 anos do início da epidemia e mostra como essa população ainda é discriminada e sofre com o preconceito e a desinformação. A capacitação acontecerá nas sete capitais brasileiras onde haverá o levantamento: Brasília, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, além do Recife. Esta segunda edição vai conseguir, pela primeira vez, comparar os dados com o Stigma Index 2019. Também será a primeira vez, em todo o mundo, que o índice trará perguntas sobre pessoas intersexo.
O projeto é apoiado e operado pela Gestos, pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids), pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). A realização é do consórcio de redes de pessoas vivendo com HIV/AIDS, formado por Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS no Brasil (RNP+), Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas (MNCP), Rede Nacional de Mulheres Trans e Travestis e Homens Trans Vivendo e Convivendo com HIV e AIDS (RNTTHP+), Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV e AIDS (RNAJVHA+) e Articulação Nacional de Luta Contra a AIDS (Anaids).
Desde 2015, o Stigma Index tem sido uma ferramenta essencial para detectar e medir mudanças nas tendências de estigma e discriminação relacionadas ao HIV/AIDS, sob a perspectiva das pessoas vivendo com HIV/AIDS.
Ao todo, 30 pessoas de perfis diversos vivendo com HIV/AIDS foram selecionadas através de edital para entrevistarem até 2.580 pessoas nas sete cidades, com direito a bolsa e ajuda de custo. O edital 2024 recebeu 288 inscrições. O curso é ministrado pela Gestos e tem duração total de 16 horas, divididas em dois dias, quando as pessoas aprenderão sobre o índice, a metodologia utilizada e a aplicação dos formulários. A pesquisa transversal tem como objetivo principal descrever o grau e as formas de estigma e discriminação enfrentados por essas pessoas em diferentes locais do Brasil, além de comparar a situação com a realidade de outras localidades e países, com o intuito de promover mudanças em políticas e programas de forma mais ampla.
Ainda no mês de junho, a formação do Índice de Estigma passará por Brasília, nos dias 27 e 28. Em julho, será a vez de Salvador (4 e 5), Manaus (11 e 12), São Paulo (18 e 19) e Rio de Janeiro (25 e 26). Em agosto, o ciclo da capacitação se encerra em Porto Alegre (1º e 2). O resultado do Stigma Index 2024 será divulgado em dezembro.
Segundo o índice elaborado em 2019, 64,1% das pessoas entrevistadas já́ sofreram alguma forma de estigma ou discriminação pelo fato de viverem com HIV/AIDS. Comentários discriminatórios ou especulativos já afetaram 46,3% delas, enquanto 41% do grupo dizem ter sido alvo de comentários feitos por membros da própria família. O levantamento também evidencia que muitas destas pessoas já passaram por outras situações de discriminação, incluindo assédio verbal (25,3%), perda de fonte de renda ou emprego (19,6%) e até mesmo agressões físicas (6,0%).
“O Stigma Index é muito importante para termos parâmetros para cobrarmos políticas públicas, com provas concretas e dados apurados cientificamente, capazes de reduzir o estigma, que é tão grave e persiste desde que o HIV apareceu no mundo”, afirma Jô Meneses, coordenadora de programas institucionais da Gestos. “Esperamos que a gente possa, com os resultados, pressionar não só os governos, mas dialogar com a sociedade civil, com os nossos pares, com outras organizações e também com a população em geral para que as pessoas entendam e possam, sobretudo, refletir e, assim, essas informações frutificarem numa mudança de comportamento”, acrescenta.
Jô lembra ainda que, nesse intervalo de cinco anos entre a primeira e a segunda edição, houve uma transformação política e social profunda no Brasil com a mudança de governo e com a pandemia de covid-19. “Agora que estamos num outro momento e com um outro governo, que se coloca como um governo de reconstrução em relação ao governo anterior, que tentava silenciar as pessoas que vivem com HIV/AIDS, acreditamos que o Índice de Estigma 2024 terá uma repercussão muito grande”, avalia.
O consultor da Unaids Gustavo Passos destaca que o Índice de Estigma também tem “uma importância individual e local, relacionada à transformação social que acontece na vida das pessoas que participam da pesquisa, porque elas se organizam em comunidade e têm uma remuneração por participar, além de uma formação”. “Então entendemos que há um processo de empoderamento em relação ao conhecimento sobre direitos e sobre como se organizar em coletivo, numa iniciativa que tem implicações nacionais e, às vezes, até globais”, detalha.
“O Brasil é muito bom na resposta ao HIV do ponto de vista medicamentoso, de controle epidemiológico e de serviço. Mas, na parte de estigma e discriminação, ainda há um longo caminho a ser percorrido, e o Stigma Index é um passo que dá sustentação para a evolução da resposta nacional nessa direção e também tem uma dimensão global, por ser uma uma ferramenta aplicada em vários países”, acrescenta Gustavo.
Nas palavras de Ângelo Brandelli Costa, professor de psicologia da PUC-RS, “nessa segunda edição do Stigma Index, temos uma série de incorporações em relação ao primeiro levantamento. Teremos uma ênfase grande nas populações mais vulnerabilizadas, em pessoas intersexo, de baixa renda, pretas e pardas, para além das populações-chave, que historicamente já conhecemos e que são as mais afetadas pelo HIV. Diferente da primeira edição, vamos também, pela primeira vez, olhar para as mudanças em relação ao estigma. Queremos saber o que aconteceu nos últimos cinco anos e se houve uma melhora ou uma piora em relação às questões do estigma. Esperamos que a pesquisa siga como uma ferramenta de mobilização social e advocacy mais forte do que foi na primeira edição”.