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O Brasil conta as horas para retomar o desenvolvimento sustentável

O Brasil conta as horas para retomar o desenvolvimento sustentável

Artigo de Alessandra Nilo, publicado originalmente pela edição 266-267 da revista Brasilicum, publicada pela Kooperation Brasilien. Disponível em português aqui.

 

O cronometrou foi acionado.  E o tic-tac que escuto talvez  seja o do ponteiro marcando o tempo que falta o Brasil se livrar do pior Presidente que já teve, desde a redemocratização. Mas talvez seja o som de uma bomba-relógio, pronta a explodir a qualquer momento.

Não há bola de cristal e ninguém pode afirmar o que irá acontecer nos próximos meses no Brasil, até que a faixa presidencial seja finalmente entregue ao presidente eleito, mas nada indica que serão dias calmos e a situação não é uma surpresa: nos últimos anos a comunidade internacional tem sido alertada, incansavelmente, sobre a necessidade de agir mais enfaticamente contra a perigosa situação em curso. Agora, concluídas as eleições federais e estaduais, mais que nunca é hora de um alerta vermelho, como dizem os diplomatas, o futuro é incerto.

A crise política não se conclui com as eleições e são muito os desafios que o país enfrenta. No campo político ultrapassamos há tempos as tradicionais disputas partidárias que faziam parte da disputa partidária às quais nos acostumamos nas décadas passadas. A crise política não arrefeceu e se intensifica pois ate o dia 31 de dezembro quem tem a caneta e a chave do cofre é um governo federal de características e atitudes facistas, como mostram as evidências.

Além das graves turbulências durante o processo eleitoral, seguem os ataques de Bolsonaro e de seus aliados no Congresso Nacional aos direitos humanos, aos ativistas que os defendem e às instituições democráticas – com destaque para o judiciário e a mídia. E todos/as sabemos que não nos livraremos tão cedo do “bolsonarismo” que se estabeleceu no Brasil.

Essas forças políticas, conformada por grupos anti-direitos, anti-meio ambiente, racistas, LGBTfóbico e de pautas fundamentalistas conservadoras, seguirá tentando mudar o ordenamento jurídico e vem construindo mais força para retroceder avanços conquistados. Se há algo que aprendemos nos últimos anos é que essa extrema direita que busca acintosamente a regressão democrática no Brasil não descansa.  A violência política não era novidade. Ela sempre caracterizou o Brasil, país forjado sob a elite colonial e escravocrata, mas cresceu demais, a ponto de levar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a organizar um processo inédito de observação internacional das eleições realizadas em outubro.

Mas agora, a questão é como reconquistar o país e sanar os problemas, que extrapolam a crise política e são graves. Ao analisarmos o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16, por exemplo, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas, proporcionar o acesso à justiça e construir instituições eficazes, responsáveis em todos os níveis – aspectos fundamentais para qualquer democracia –  tem dez das suas 12 metas em retrocesso. Sobre as duas restantes,  uma está estagnada e outra sob ameaça, além de seguimos carentes de dados atualizados para 18 dos seus 22 indicadores, como pode ser aferido no Relatório Luz 2022 da Sociedade Civil sobre a implementação da Agenda 2030 no Brasil .

Observando os compromissos firmados pelo país, a a situação não poderia ser pior. Das   168 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável analisadas neste último Relatório Luz, 80,35% estão em retrocesso, ameaçadas ou estagnadas e 14,28% delas tiveram progresso apenas insuficiente. Esses dados não deixam dúvidas, o país está em plena decadência e a recessão, com alta da inflação, dólar e do preço de alimentos, não resulta apenas da pandemia de covid-19, mas, principalmente, das más decisões governamentais, que desde 2014 vêm aprofundando as desigualdades. Mas nenhum governo conseguiu o que alcançou Bolsonaro e sua equipe técnica carente de competência: chegamos ao fundo do poço, é preciso tocar o alarme.

A tarefa do próximo Presidente da República é, portanto, gigante. Ainda que se cerque de profissionais tecnicamente competentes, ele não é um super herói e seus desafios dificilmente se resolverão em quatro anos.

A fome e insegurança alimentar, esperamos, tem que ser tratada como urgência, em especial nas subregiões Norte e Nordeste onde ela massacra as parcelas mais vulneráveis do nosso povo. Os dados são assustadores: passamos de 19,1 milhões de pessoas com fome em 2020 para 33,1 milhões em 2021 e hoje 125,2 milhões – mais da metade do total da população brasileira  – sofrem com a insegurança alimentar.

A taxa de desemprego nunca mais saiu dos dois dígitos e a renda baixou ao menor nível da década, com o rendimento domiciliar em 2021 ainda menor que a média de 2020. Iniciamos este ano com 4,8 milhões de brasileiros/as em desalento, e a taxa de subutilização da força de trabalho alcançava 24,3% da população economicamente ativa. As altas dos preços de insumos básicos nos lares brasileiros levaram as famílias de baixa renda a substituir o gás de cozinha por álcool ou lenha, aumentando o número de acidentes caseiros.

Mas não é qualquer indústria ou trabalho que será capaz de reverter isso: precisamos de empregos verdes e que promovam a igualdade de gênero. Sim, porque no meio da nossa catástrofe, como historicamente ocorre, as mulheres são as mais prejudicadas. Aqui mulheres ganham em média 20,5% a menos que os homens mesmo na mesma posição e com o mesmo nível de escolaridade e em 2021 1,106 milhão delas deixou o mercado de trabalho.

E não somente no campo produtivo ocorrem problemas. Os feminicídios e o racismo cresceram. As políticas de planejamento familiar e serviços de promoção dos direitos sexuais e direitos reprodutivos (DSDR) foram quase esvaziadas. Houve uma redução de mais de 40% na aplicação de DIUs e laqueaduras e os dados oficiais apontam que os investimentos do Ministério da Saúde na compra de contraceptivos caíram 17%, em 2020 (os de 2021 não estavam disponíveis),  resultado da forte atuação do governo Bolsonaro que, em aliança com os ultra-ultrapassados e negacionistas evangélicos neopentecostais, decretou guerra contra os DSDR.

Não bastassem os velhos problemas (a luta das mulheres por decidir sobre o próprio corpo é histórica), a Covid-19, fez crescer a  mortalidade materna em 223% em relação ao ano anterior: foram 74,7 óbitos/100 mil nascidos vivos em 2021.

O futuro presidente do Brasil, além de diminuir a dívida com as mulheres e meninas, terá muito a fazer também para cuidar do nosso futuro e, para isso, a Educação é central, inclusive para as meninas. E tem que agir rápido pois o sistema público de ensino já está gravemente ferido pelo cortes de verbas: em 2021, a educação básica teve 627 mil matrículas a menos que em 2020, quase 505 mil crianças não acompanharam o ensino e 154 mil nem assistiam às aulas.

Podemos dizer, sem medo de errar, que a educação está definhando. O   orçamento educacional da União vem minguando ano após ano e não são destinados  recursos para pesquisas. A verba para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)[1] em 2021 foi vergonhosa e a menor dos últimos 17 anos: 11,9 milhões de reais, o equivalente a pouco mais de dois milhões de dólares. E, detalhe, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, agencia do Ministério de Educação responsável por garantir a qualidade das instituições de graduação e pós-graduação no país não recebeu verba nenhuma. Com os cortes orçamentários as taxas de participação de pessoas negras, indígenas, quilombolas e das classes de menor poder aquisitivo foi 50% menor, o que ampliou a elitização do ensino superior.

O novo Governo Federal vai ter também que reorganizar a área de assistência social, assim como a de segurança pública. O Brasil segue como o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo: houve aumento de 8% das mortes violentas em 2021 (300 casos), uma morte a cada 29 horas e,  no geral, a violência policial nos centros urbanos mais pobres e os conflitos no campo se intensificaram: o crescimento nos assassinatos nas áreas rurais foi de 1.100%, a maioria ligados à terra.

No meio dessas disputas, outro desafio em paralelo é de enfrentar o avanço do agronegócio predatório, que tem causado ameaças ao meio-ambiente e para o acesso a alimentos. Seu lobby fez com que em 2021 o Brasil aprovasse o uso de 562 agrotóxicos de alta toxicidade, vários banidos dos EUA e da União Europeia. Esse foi maior volume de liberação desde o ano 2000.

Do novo governo também se espera um controle do armamento em curso e do desmatamento, que cresceram em todo o país, ambos liderados por grupos criminosos organizados no país.

Na Amazônia, por exemplo, desde 2019 o desmatamento cresceu 60% e com ações do governo Bolsonaro para interromper políticas ambientais e desmantelar as estruturas institucionais, o corte no orçamento para o Ministério do Meio Ambiente foi de R$ 35 milhões, sendo que em 2021 só 41% dos recursos para fiscalização ambiental foram usados – há muito a ser feito e ainda que tenhamos um novo presidente humano – e não um super men – também há soluções.

Recolocar o Brasil de volta no caminho do desenvolvimento sustentável não será tarefa fácil,  mas esse momento ainda não chegou. Até 31 de dezembro muito ainda pode acontecer. A luz de alerta continua acessa. E a comunidade internacional precisa continuar mobilizada porque os conflitos e tensões não acabaram com as eleições.