Violação de Direitos Humanos e ameaças à democracia: Sociedade civil brasileira alerta comunidade internacional
Com o intuito de evidenciar para a comunidade internacional as situações de violência e violações de direitos humanos que o Brasil tem vivido nos últimos anos, bem como as graves ameaças à democracia no país, o Coletivo RPU realizou, na quarta-feira (31), o seminário internacional Democracia e Direitos Humanos em Retrocesso no Brasil: Cenários e Perspectivas, que ocorreu em Genebra (Suíça), às 13h (horário de Brasília). O seminário buscou estimular o apoio internacional à defesa da democracia e dos direitos humanos no Brasil.
A cada quatro anos e meio, o Brasil deve prestar contas sobre a situação dos direitos humanos ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, por meio da Revisão Periódica Universal (RPU), um mecanismo internacional que cruza as recomendações sobre o tema entre os Estados membros das Nações Unidas. A sociedade civil, articulada pelo Coletivo RPU Brasil, coalizão formada por 31 organizações, redes e coletivos da sociedade civil brasileira (incluindo a Gestos), é quem monitora esse dispositivo no país.
As 31 organizações da sociedade civil que compõem o Coletivo RPU sistematizaram as orientações feitas ao país e construíram 11 relatórios temáticos, abordando questões como a situação dos povos indígenas, meio ambiente, saúde, qualidade de vida, igualdade e não discriminação de gênero, racismo, dentre outros.
Segundo esse diagnóstico, quase a metade (47%) das 242 recomendações feitas ao Brasil entraram em retrocesso. Atualmente, 80% das recomendações não estão sendo descumpridas e somente 17% dos tópicos estão sendo parcialmente implementados. Apenas uma das 242 recomendações está sendo, de fato, cumprida. O Coletivo RPU foi o único a apresentar um relatório que relaciona as recomendações em Direitos Humanos e as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidas pela Agenda 2030.
Para Alessandra Nilo, coordenadora geral da Gestos e co-facilitadora do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030), que mediou o seminário de quinta-feira, “isso significa que nós estamos tentando construir agendas que se articulam e que nós não queremos que nenhuma delas perca a sua importância e a sua relevância; estamos aqui, juntos e juntas, porque entendemos que essa articulação nos faz diferente e nos fortalece para enfrentar esses retrocessos”.
“A gente não pode deixar de falar dos defensores e das defensoras de Direitos Humanos e do fechamento do espaço cívico em curso no país”, considerou ela, ao lembrar à comunidade internacional que uma das primeiras medidas adotadas pelo governo do presidente Bolsonaro foi o fechamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e citando ainda o Decreto 9754/2019, que fechou espaços de diálogo com participação da sociedade civil.
“Não é atoa, que hoje nós temos mais de 33 milhões de pessoas passando fome; não é atoa que mais da metade (54%) da população no Brasil sofre hoje algum nível de insegurança alimentar”, afirmou Alessandra Nilo. “O ataque aos defensores e defensoras de Direitos Humanos e o fato de que nos transmaram (nós, organizações e movimentos) em criminosos – pois é assim que nós somos tratados pelo atual governo do Brasil. Nós somos os criminosos; nós que defendemos os Direitos Humanos e damos as vidas por esses direitos”.
Delegação da Sociedade Civil vai à ONU em defesa da democracia e dos direitos humanos
Entre os dias 29 de agosto e 02 de setembro, uma delegação formada por ao menos 15 representantes de um grupo de organizações da sociedade civil brasileira esteve na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, onde participaram da pré-sessão de avaliação da plataforma RPU do Brasil.
Durante o período, a comitiva participou de reuniões bilaterais com o Conselho de Direitos Humanos da ONU, para denunciar o contexto de violações de direitos em curso no país, e pedir que o conselho inclua como orientações ao governo brasileiro: a saída do Consenso de Genebra, a ampliação dos investimentos para prevenção ao HIV/AIDS e a revogação da Emenda Constitucional nº 95/2016 – que congelou por 20 anos os investimentos públicos em saúde e educação.
O GT Agenda 2030, junto com organizações da sociedade civil brasileira, também redigiu uma carta de alerta dirigida à comunidade internacional, para que esteja atenta à grave ameaça à democracia em curso no Brasil, que se intensifica com a proximidade das eleições em outubro deste ano. O texto pede ainda que a comunidade internacional repercuta o documento e se manifeste enfaticamente pelo respeito ao Estado Democrático de Direito no Brasil.
Organizações da sociedade civil brasileira também pode assinar a carta; basta clicar aqui e preencher o formulário. O texto da carta na íntegra, pode ser conferido abaixo.
Carta da Sociedade Civil Brasileira à Comunidade Internacional
As organizações da sociedade civil brasileira abaixo assinadas vêm alertar a comunidade internacional sobre a necessidade de vocalização de todos os seus entes, instituições e países diante da grave situação de ameaça à democracia em curso no Brasil, que se intensifica com a proximidade das eleições federais e estaduais em outubro.
Como já alertado por diversos coletivos, o contexto nacional é bastante preocupante. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentavel 16, por exemplo, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas, proporcionar o acesso à justiça e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis – aspectos fundamentais para qualquer democracia – tem dez das suas 12 metas em retrocesso, uma estagnada e outra ameaçada, e o país segue carente de dados oficiais atualizados para 18 dos seus 22 indicadores, como indica o Relatório Luz 2022 da Sociedade Civil sobre a implementação da Agenda 2030 no Brasil
Além das ameaças ao processo eleitoral, os sucessivos ataques do governo federal e seus aliados/as no Congresso Nacional aos direitos humanos, a ativistas que os defendem e às instituições democráticas – com destaque para o judiciário e a mídia –, as mudanças no ordenamento jurídico e a criminalização de movimentos sociais construíram um cenário de regressão democrática no Brasil. A violência política que caracteriza o país, forjado por elite colonial e escravocrata, voltou a crescer, a ponto de preocupar a comunidade global e levar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a organizar um processo inédito de observação internacional das eleições que ocorrerão em outubro.
Depois de reunir embaixadores e embaixadoras de cerca de 70 países, no dia 18 de julho, para lhes mentir sobre as urnas eletrônicas, fato que gerou apreensão nas representações diplomáticas no país, o Presidente da República continua a difundir e intensificar ataques ao sistema eleitoral nacional e segue disseminando notícias falsas, criando um ambiente de menor transparência e confiança nos poderes da República. Destacamos entre elas o forte incentivo à liberação das armas e à militarização dos espaços civis, inclusive escolas, o crescimento das violências – particularmente contra mulheres, meninas, povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos e do campo, população LGBTQI+, negra, com deficiência, e contra defensores/as de direitos humanos – num contexto de quase completa normalização da violência policial e das facções de crimes organizados no país.
Todos estes fatos têm sido denunciados pela sociedade civil organizada em várias instâncias nacionais e internacionais, mas as respostas têm sido insuficientes para reversão do quadro diagnosticado. Enquanto as forças democráticas buscam amparo em suas fragilizadas instituições, o Presidente da República incita a violência, convocando seus seguidores a se armarem e a atuarem para evitar a perda do governo.
Os dados analisados por 101 peritos/as em relação ao cumprimento da Agenda 2030 no país, por exemplo, evidenciam políticas, ações e sistemas de monitoramento interrompidos; orçamentos essenciais reduzidos ou esvaziados; espaços de participação popular eliminados e um menor acesso às informações.
Em agosto deste ano, foram elaboradas duas cartas, organizadas pela sociedade civil, em defesa do Estado democrático de Direito e do sistema eleitoral brasileiro, que levaram milhares de pessoas às ruas e que têm mobilizado distintos setores do país a se manifestarem em favor do sistema eleitoral e da defesa da democracia, pelo respeito aos resultados nas urnas e por um ambiente seguro para a votação.
Alertamos, assim, que as eleições nacionais em curso no Brasil representam mais do que uma comum disputa eleitoral para manutenção ou renovação dos representantes eleitos, mas sim representa um momento altamente crítico para a preservação da jovem e frágil democracia instaurada no país com a Constituição de 1988. Nossa situação de retrocesso político, econômico e social se encontra agudizada pelas ameaças de rompimento da ordem democrática, que paralisam o Brasil em relação ao avanço dos nossos compromissos e metas internacionais para o desenvolvimento sustentável. Ressaltamos que o aprofundamento do autoritarismo e de políticas antidemocráticas podem levar o Brasil a um cenário de conflito e tensões ainda maiores.
Pedimos, portanto, que as autoridades, instituições e governos internacionais comprometidos com a defesa de valores democráticos se posicionem de forma aberta em defesa da democracia, das eleições livres no Brasil e do total respeito pelo seu resultado e pelo espaço cívico da sociedade civil brasileira, em suas distintas facetas.